ela é constituída de muitas e muitas camadas formadas pelos motivos ocultos, as intenções não reveladas, os problemas não resolvidos, a memória, a tradição, a ingerência do passado no presente, a continuação do passado, através do presente, para o futuro. Tudo isso, e mais ainda, constitui a consciência.
Estou considerando o que a consciência realmente é, e não expondo uma teoria. As muitas camadas de lembranças, todos os pensamentos, os problemas ocultos, que não foram resolvidos e que criam a memória, os instintos raciais, o passado em conjunção com o presente, criando o futuro – tudo isso é a consciência.
Ora, os mais de nós vivemos cônscios, funcionamos, apenas nas camadas superficiais da consciência. Espero que estejais interessados nisso, mas, quer estejais interessados, quer não, isso é um fato. Ainda que seja só por curiosidade, escutai-me. Em primeiro lugar, não li livros de psicologia, e não estou empregando uma terminologia especial, uma algaravia de psicólogos; não li tão pouco nenhum dos vossos livros sagrados, quer do Oriente quer do Ocidente.
Mas, quando um indivíduo está cônscio de si mesmo descobre todas essas coisas, em nós mesmos está contida toda a sabedoria. O autoconhecimento é o começo da compreensão, e sem autoconhecimento não há pensar correto, não há base para o pensamento. Compreendendo isso, estamos explorando o autoconhecimento, estamos explorando a consciência; e vós podeis explorá-la diretamente, ao mesmo tempo que falo, podeis estar cônscios de vós mesmos e ter experiência direta; ou, podeis meramente escutar as minhas expressões verbais, por curiosidade: podeis escolher o que desejardes; depende de vós.
Assim a maioria de nós funciona nas camadas superficiais da consciência; por isso permanecemos pouco profundos, e por isso a nossa ação provoca mais reações e mais misérias. Só há alívio, libertação, quando a totalidade da consciência é claramente compreendida. Isso não depende do tempo, e trataremos desta questão mais tarde, no curso destas palestras.
Assim, porque funcionamos somente nas camadas superficiais da consciência, criam-se problemas; a consciência superficial nunca resolve problemas, sendo antes um campo de cultura de problemas. Isto é, uma vez que a maioria das atividades da nossa existência diária são a reação daquelas camadas superficialmente cultivadas todo o conjunto de camadas está constantemente a gerar problemas e mais problemas.
Ora, quando tendes um problema criado pelas camadas superficiais da consciência, vós procurais resolvê-lo superficialmente – como um cão que morde um osso, roendo-o, lutando com ele – é sempre assim que acontece, quando operam as camadas superficiais da consciência; e não encontrais solução alguma. E que sucede então? Ides para o leito, e dormis sobre o problema; e ao despertardes, descobris que resolvestes o problema; ou descobris uma nova maneira de o considerar, e podeis resolvê-lo.
Isso acontece, às vezes, a todos nós. Não é algo extraordinário ou misterioso, mas um fato bem conhecido. Agora, exatamente, o que foi que aconteceu? Essa camada superficial da consciência, o homem, o homem superficial, pensou no problema durante o dia inteiro, preocupou-se com ele, tentando traduzi-lo de acordo com suas próprias exigências, seus preconceitos, seus desejos imediatos. Isto é, procurou uma solução, e por isso não pode encontrá-la. Vai então dormir e enquanto dorme a consciência superficial, a camada superior da mente, fica algo tranquila, livre de tensão, libertada da incessante preocupação com o problema.
Então, nessa camada superficial, o oculto projeta a sua solução; e, ao despertar, o problema tem um significado diferente. Isso é um fato. Não precisais ser ocultistas, não precisais tornar-vos muito inteligente, par o compreenderdes – isso seria absurdo. Se observardes, por vós mesmo, vereis que é um fato evidente, de todos os dias.
Não significa isso, porém, que preciseis dormir para resolver um problema; o problema está à vossa frente, e se souberdes estudá-lo com espírito aberto, sem nenhuma conclusão, sem nenhuma solução a interpor-se entre vós e o problema, estareis então em relação imediata e direta com o problema e, por conseguinte, aberto par as sugestões do inconsciente.
Expliquei muito apressadamente? Talvez o tenha feito. Mas, não importa. Vamos ainda reunir-nos várias vezes, porque esta é uma questão na qual precisamos penetrar muito profundamente. Só tocamos uma parte da mesma, embora a maioria de nós se contente em deixá-la neste nível.
Outra questão contida nesta pergunta são os reclamos do inconsciente. Nossa vida, por certo, não é mera existência superficial. Há vastos e ocultos recursos, tesouros de extraordinário valor, sumamente deleitáveis e grandiosos, que estão sempre emitindo sugestões, reclamos; e porque não somos capazes de os receber diretamente, quando despertos, tornam-se símbolos, em sonhos, quando dormimos.
Isto é, as camadas inconscientes, profundas, as camadas ainda inexploradas estão sempre a transmitir-nos reclamos e sugestões de extraordinária importância; mas a consciência superficial está de tal maneira ocupada com a sua existência quotidiana, suas diárias preocupações, sua luta pela subsistência, que é incapaz de receber diretamente tais intimações.
Por isso, as intimações se tornam sonhos; e os sonhos requerem intérpretes, e surgem então os psicólogos, e enriquecem. Mas não há necessidade alguma de interpretação quando ocorre o contacto imediato e direto com o inconsciente; e isso só é possível quando a mente consciente está sempre tranquila, tendo sempre um intervalo, um espaço entre ação e ação, entre pensamento e pensamento.
Outra questão contida na pergunta é a experiência subjetiva de uma conversa com outra pessoa. Não sei se já alguma vez vos lembrastes, aos despertardes, de ter tido uma longa conversa com alguém, recordando-vos de palavras ou de uma palavra de extraordinária força e significação. Isso já deve ter acontecido convosco – vós vos lembrais de uma conversação com um amigo, com um homem que respeitais, com um asceta, guru ou Mestre.
Ora, que é isso? Não está também dentro do campo da consciência? Isso também é parte da consciência, por conseguinte uma auto projeção, a qual é traduzida, ao despertar, como uma conversa com alguém, como uma instrução recebida de um Mestre. O Mestre está também dentro da estrutura da consciência, e é, portanto, um a projeção do “eu”, como imagem do Mestre. A lembrança de uma palavra e o dar-lhe significação é uma das maneiras de funcionar do inconsciente, para imprimi-la na mente
consciente. Assim, pois, essa lembrança de um fato, dentro do campo da consciência, ainda é uma intimação ou projeção do pensamento; é uma criação do pensamento, e, portanto, não é real. O real só vem à existência, quando cessa o pensamento, quando o pensamento já não cria.
Há mais uma questão subentendia na pergunta – permiti que eu continue a explorá-la – e se durante o sono é possível encontra-nos com uma pessoa, objetivamente, Compreendeis? Isto é, posso, durante o sono, encontrar-me com alguém, objetivamente, não subjetivamente? Ora, isso implica a identificação do pensamento como “eu”. Que é o “eu”?
Que é pensamento identificado? Quando digo “Krishnamurti”, entendo pensamento em que há identificação de um homem. O homem é pensamento, objetivado, que é uma continuidade; é possível, por certo, encontrar uma continuidade, objetivamente. Isto é, o pensamento, que é como uma onda, uma onda em movimento, é identificado, recebe um nome; e isso, por certo pode encontrar-se objetivamente.
Eis algumas das questões implicadas nesta pergunta, sobre se permanecemos cônscios, mesmo durante o sono. Mas todas estas explicações nada valem sem o autoconhecimento. Podeis repetir o que eu disse, mas repetição é mentira; é apenas propaganda, e não é verdadeira. Estas coisas têm de ser experimentadas, não repetidas; e precisais experimentar o que é, ficar cônscio das muitas camadas da consciência, a qual se expressa por muitas maneiras diferentes.
Existe, assim, margem muito estreita de separação entre a consciência desperta e consciência adormecida; mas, visto que, em geral, operamos quase exclusivamente com a consciência desperta, com suas preocupações, suas crenças, suas diárias ansiedades pela subsistência, a tensão inerente às nossas relações com outras pessoas, essas coisas impedem a exploração de nós mesmos em nível mais profundo. E não há necessidade de explorar, pois o oculta se projeta com extraordinária rapidez na mente que não está ativa à superfície.
Já não notastes, quando estais sentados tranquilamente, não ocupados com o rádio, quando a mente não está tagarelando? Nesse momento tendes subitamente uma ideia nova, um sentimento novo, uma alegria nova: mas, infelizmente, que acontece? Quando essa expressão criadora se manifesta, vós a traduzis imediatamente em ação, e desejais uma repetição dela. Por isso a perdeis. Assim, pois, o problema da percepção, que acabamos de discutir parcialmente, é de fato muito fértil, se formos capazes de compreendê-lo a fundo.
Voltarei mais tarde a esse problema, à significação do que é estar cônscio. Mas releva compreender que não se pode pensar corretamente, e, portanto, não pode haver ação correta, sem autoconhecimento; autoconhecimento não é a simples compreensão das camadas superficiais, mas a completa compreensão da consciência total. Isso não depende do tempo; porque, havendo intenção, há percepção imediata, e a rapidez dessa percepção depende do grau de sinceridade da pessoa.
Quanto mais estamos alertados, passivamente vigilantes, tanto melhor compreendemos as camadas mais profundas da consciência; e eu vos asseguro que há nisso uma alegria extraordinária, nesse descobrir, nesse sondar o nosso ser total. Se buscardes a compreensão, ela vos fugirá, mas se ficardes passivamente vigilantes, ela se desdobrará e vos revelará suas extraordinárias profundezas.
Trecho da 2ª Conferência “Da Insatisfação à Felicidade” – Krishnamurti