Segunda, 06 Dezembro 2021

A Natureza do Homem

Escrito por Rudolf Steiner
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As seguintes palavras de Goethe caracterizam admiravelmente o ponto de partida de um dos caminhos pelos quais se pode vir a conhecer a natureza do homem:

“Tão logo o homem se apercebe dos objetos ao seu redor, considera-os com relação a si mesmo; e com razão, pois todo o seu destino depende da alternativa de que eles lhe agradem ou desagradem, atraiam-no ou o aborreçam, sejam-lhe úteis ou prejudiciais.

Este modo naturalíssimo de ver e julgar as coisas parece tão fácil quanto necessário e, no entanto, nisso o homem está exposto a mil enganos, que por vezes o envergonham e lhe amarguram a vida. Tarefa muito mais árdua empreendem aqueles cujo vivo impulso para o conhecimento dos seres da natureza leva a apreciá-los em si mesmos e em suas relações recíprocas; pois logo dão por falta da norma que lhes vinha em auxílio quando, como homens, apreciavam as coisas com relação a si mesmos.

Falta-lhes a norma do agrado e desagrado, da atração e repulsa, do proveito e dano. Eles têm de renunciar totalmente a essa norma e como seres equivalentes e por assim dizer divinos, buscar e investigar o que é, e não o que agrada.

Assim, ao genuíno botânico não deve tocar nem a beleza nem a utilidade das plantas, mas sua formação, sua correlação com o restante mundo vegetal; e, da mesma forma como elas são atraídas e iluminadas pelo sol, ele deve contemplá-las e abrangê-las todas com um olhar sereno e imparcial, extraindo a norma para esse conhecimento, os dados para julgamento não de si mesmo, mas do âmbito das coisas que observa.”

Esse pensamento expresso por Goethe chama a atenção dos homens para três coisas. A primeira são os objetos cujas impressões lhe afluem continuamente pelos portais dos sentidos, objetos que ele apalpa, cheira, degusta, ouve e vê.

A segunda são as impressões que esses objetos causam nele, e que sob forma de agrado ou desagrado, cobiça ou nojo, caracterizam-se pelo fato dele achar um simpático e outro antipático, um útil e outro nocivo. E a terceira são os conhecimentos que ele alcança sobre os objetos “como se fossem um ente divino”; são os mistérios da atuação e da existência desses objetos que se lhe desvelam.

Esses três domínios distinguem-se nitidamente na vida humana; e assim o homem se apercebe de estar entretecido ao mundo de tríplice maneira.

A primeira maneira é algo com que ele se depara, aceitando-o como fato dado; pela segunda maneira ele faz do mundo seu assunto próprio, algo que tem importância para ele; a terceira maneira ele considera como uma meta à qual deve aspirar incessantemente.

Por que o mundo se apresenta ao homem dessa forma tríplice? Urna simples consideração pode explicar isso: Venho por um prado coberto de flores; as flores anunciam-me as cores por meio de meus olhos. Esse é um fato que eu tomo como dado.

Alegro-me com a magnificência das cores; com isso transformo o fato em meu assunto próprio. Por meio de meus sentimentos, ligo as flores ao meu próprio existir. Passado um ano, percorro novamente o mesmo prado. Outras flores estão ali novas alegrias me são proporcionadas. Minha alegria do ano anterior apresenta-se como lembrança.

Ela está em mim; o objeto que a despertou esvaiu-se. Mas as flores que eu hoje contemplo são da mesma espécie que as do ano passado; cresceram segundo as mesmas leis que aquelas. Se eu tiver formado urna noção dessa espécie e dessas leis, irei reencontrá-las nas flores deste ano, tal qual as conheci nas do ano passado.

E talvez reflita: as flores do ano passado esvaíram-se; a alegria que me proporcionaram ficou apenas em minha lembrança, achando-se ligada apenas à minha existência. Porém o que no ano passado eu reconheci nas flores, e torno a reconhecer este ano, permanecerá enquanto tais flores crescerem.

Isso é algo que se revelou a mim, porém não depende de minha existência da mesma forma como minha alegria. Meus sentimentos de alegria situam-se dentro de mim; as leis e a essência das flores situam-se fora de mim, no mundo. Assim, o homem se associa continuamente às coisas do mundo dessa tríplice maneira.

Não juntemos a esse fato interpretação alguma, mas aceitemo-lo tal qual se apresenta. Dele decorre que o homem tem três faces em sua natureza. E isso, e nenhuma outra coisa, que por ora indicaremos com as três palavras corpo, alma e espírito.

Quem associar essas três palavras a quaisquer opiniões preconcebidas, ou mesmo hipóteses, fatalmente entenderá mal o que será exposto em seguida. Por corpo entende-se elemento pelo qual as coisas em redor do homem se apresentam a ele — como, no exemplo acima, as flores do prado.

Por alma deve-se entender o elemento pelo qual o homem associa as coisas ao seu próprio existir, sentindo nelas agrado e desagrado, prazer e desprazer, alegria e dor. Por espírito entende-se o que se revela nele quando, segundo a expressão de Goethe, ele contempla as coisas “como se fosse um ente divino”. E nesse sentido que o homem consiste em corpo, alma e espírito.

Por meio de seu corpo o homem pode colocar-se momentaneamente em relação com as coisas; por meio de sua alma ele guarda em si as impressões que as coisas produzem nele; e por meio de seu espírito lhe é apresentado o que as coisas conservam em si.

Só considerando o homem segundo essas três faces é que se pode ter a esperança de alcançar uma elucidação de sua natureza — pois essas três faces mostram-no relacionado de modo triplamente diverso com o resto do mundo.

Por meio de seu corpo o homem tem afinidade com as coisas que, de fora, se apresentam aos seus sentidos. São as substâncias do mundo exterior que compõem esse seu corpo; as forças do mundo exterior também atuam nele. E tal qual observa as coisas do mundo exterior com seus sentidos, assim também ele pode observar sua própria existência corpórea.

Porém é impossível observar do mesmo modo a existência anímica. Tudo o que em mim constitui processos corpóreos pode ser também percebido com sentidos corpóreos; porém meu agrado e desagrado, minha alegria e minha dor não podem ser percebidos, nem por mim nem por mais ninguém, com sentidos corpóreos.

O anímico é um domínio inacessível à observação corpórea. A existência corpórea do homem acha-se manifesta aos olhos de todos; a anímica, ele a traz em si como sendo seu mundo. Por meio do espírito, no entanto, o mundo exterior lhe é revelado de uma forma superior.

E em seu íntimo, sem dúvida, que se lhe desvendam os segredos do mundo exterior; porém no espírito ele sai de si e deixa as coisas falar sobre si mesmas, sobre o que tem significado não para ele, mas para elas.

O homem levanta o olhar para o céu estrelado: o encanto que sua alma vive pertence a ele; as leis eternas dos astros, que ele discerne no pensamento, no espírito, pertencem não a ele, mas aos próprios astros.

O homem é, assim, cidadão de três mundos. Por meio de seu corpo, pertence ao mundo que ele percebe com esse mesmo corpo; por meio de sua alma, edifica para si seu próprio mundo; por meio de seu espírito se lhe manifesta um mundo elevado acima dos outros dois.

Ante a diferença essencial entre esses três mundos, parece evidente que só se poderá obter clareza a seu respeito, bem como a respeito da participação do homem neles, mediante três diferentes tipos de observação.


Livro “Teosofia” – A Natureza do Homem – Rudolf Steiner

Informações adicionais

  • Complexidade do Texto: Avançado
Ler 624 vezes Última modificação em Terça, 26 Julho 2022