A palavra vértebra quer dizer elo de uma corrente, de uma cadeia. Os Antigos diziam que a força de uma corrente não é maior do que a força do seu elo mais fraco. É importante que notemos onde estão os elos frágeis da nossa coluna vertebral.
Temos sete vértebras cervicais, doze vértebras dorsais e cinco vértebras lombares. Doze dorsais assim como o ano tem doze meses e Cristo, doze apóstolos. Os Padres do Deserto faziam a correspondência entre a 5ª vértebra lombar e o apóstolo Judas Iscariotes.
Muitos de nós são traídos por esta quinta vértebra lombar porque é geralmente neste ponto que alguma coisa se quebra. Cabe ao Terapeuta devolver àquele que ele cuida, sua coluna vertebral, sua estrutura interior. E ajudá-lo a manter-se de pé para fazer face às provações de sua existência.
A Medula espinhal é uma espécie de cabo telegráfico que, através dos nervos, recebe os estímulos do corpo e os envia à central, ao cérebro, ao mesmo tempo em que recebe do cérebro as respostas motoras e sensitivas a estes estímulos e as envia de volta ao corpo.
Lembrando o que nos foi dito a propósito do pai, algumas vezes nosso pai nos dá as vértebras, mas não nos dá a medula espinhal. Ele nos dá uma estrutura artificial, uma lei moral, que não é habitada pela seiva, pela medula do sentido.
Quando eu falo do pai, falo quer do pai biológico quer do pai que nos adotou, ou daquele que nos abandonou ou que nos faltou. Falo também de diferentes instituições da sociedade que nos propõem um certo número de leis, de obrigações. Que dizem “você deve", “é preciso", mas que não dizem “você pode!" E que não nos dão a medula, o sentido desta estrutura.
Poderíamos falar também da relação entre a coluna vertebral, o caminho do meio budista e a coluna do meio - a Árvore das Sephiroth - na tradição cabalista. Lembramos a escada de Jacó que nos convida a esta subida pela coluna vertebral.
E no Evangelho há esta passagem na qual se diz que o Filho do Homem esta em seu trono e os anjos sobem e descem. Quer dizer, a energia da medula, a energia da vida é, sem cessar, este movimento que sobe e desce, que nos eleva e que nos enraíza.
Se há seiva, se há medula na nossa coluna vertebral, ela nos enraíza na matéria e nos abre para a luz. Teríamos muitos exercícios a propor para observar a rigidez ou a elasticidade de nossa coluna vertebral, as dores que aí se alojam e as memórias que estas dores despertam em nós.
Farei apenas uma observação a mais que vocês poderão notar em suas vidas quotidianas: é que não se pode mentir com a coluna vertebral ereta. Quando vocês mentem, sempre se inclinam para o lado...
Por isso que a coluna vertebral, com o sentido do hara e do Sopro, é frequentemente considerada como nosso mestre interior. Devemos estar atentos à nossa coluna vertebral pois assim, verdadeiramente, teremos um grande mestre em nosso interior.
E mesmo se nosso pai nos faltou, se nos faltaram ensinamentos e informações, quando escutamos nossa coluna vertebral, o pai, o mestre interno, pode nos guiar no que é preciso e necessário. Manter-se ereto em determinadas situações vai nos lembrar a nossa dignidade - é um exercício que pode nos ensinar muito.
O Livro do Êxodo - diz que o Senhor guia os hebreus no deserto, durante o dia em uma coluna de nuvens e, durante a noite, em uma coluna de fogo. O simbolismo é o de uma coluna vertebral para os seres humanos, para a sociedade.
Assim, nossa coluna vertebral pode ser para nós uma coluna que nos ajuda a atravessar o deserto e atravessar a noite. É um mestre interior muito interessante a escutar. Diante de certas situações, não são as ideias que turbilhonam em nossa cabeça que precisamos escutar, mas, sim, escutar nossa coluna vertebral, que pode nos indicar, talvez, a direção correta. E a habitar em nossa retidão e em nossa dignidade.
A Medula dos Nossos Ossos
O interior dos ossos contém a medula óssea que os chineses chamam de “entranhas curiosas e maravilhosas”.
É no segredo da medula óssea que uma célula, chamada célula-mãe, produz as células do sangue. No recém-nascido esta medula preenche o interior de todos os ossos. No adulto, ela se restringe quase que ao esterno, às costelas, às vértebras.
Neste berço as células são nutridas, crescem e se desenvolvem até que, adultas, prontas para cumprirem sua missão, passam para a corrente sanguínea.
As células produzidas são os glóbulos brancos que ajudam nosso corpo a combater as infeções; as plaquetas que controlam o sangramento dos nossos vasos; os linfócitos que têm a grande competência de saberem o que pertence e o que não pertence ao nosso corpo; e finalmente, os glóbulos vermelhos.
Os glóbulos vermelhos têm uma função vital. A cada inspiração eles se enchem de Sopro. Caminham por todos os recantos de nosso corpo, distribuem o Sopro a cada uma das células, purificando-as, vivificando-as. E ainda recolhem delas o lixo, que descartam na expiração, em um trabalho sem fim.
O glóbulo vermelho sequer pode ser considerado uma célula, porque lhe falta o núcleo. É um simples envelope. Mas, neste envelope, uma carta de amor e de esperança é endereçada a cada uma de nossas células. Uma carta contendo o Sopro. E no seio desta estrutura, no centro de nossos ossos, que também uma medula pode nos ser comunicada. Às vezes, nas religiões, pensamos encontrar uma estrutura interior. Encontramos ossos, esqueleto, mas não encontramos medula. Não há vida, não há seiva. E na tradição evangélica primitiva nos é dito que a Lei Nova é a lei do Espírito, do Sopro. Como a lei, em uma árvore, é a sua seiva. Nas tradições nós temos, sem cessar, que passar das leis exteriores para a lei interior. E descobrir a medula no interior dos nossos ossos.
Livro “O Corpo e Seus Símbolos” – Capítulo “A Coluna Vertebral” – Jean-Yves Leloup