Segunda, 06 Dezembro 2021

A Lei dos Milagres

Escrito por Paramahansa Yogananda
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O grande novelista Leon Tolstoy escreveu um delicioso conto, Os Três Eremitas. Seu amigo Nicholas Roerich resumiu-o assim:

“Numa ilha viviam três velhos eremitas. Eram tão simples que usavam apenas esta oração: 'Nós somos três; Tu és três - tem piedade de nós”. Grandes milagres ocorriam no decurso desta ingênua prece.

“O bispo da região soube da existência dos três eremitas e da sua inadmissível reza, e decidiu visitá-los a fim de lhes ensinar as invocações canônicas. Chegou à ilha, disse aos eremitas que aquela súplica aos céus era indigna e instruiu-os em muitas orações usuais.

A seguir, e, bispo retirou-se num barco. Viu, ao longe, deslizando na esteira do navio, uma luz esplendorosa. À medida que ela se aproximava, distinguiu os três eremitas, de mãos dadas, correndo sobre as ondas no esforço de alcançar o barco.

“- Esquecemos as preces que nos ensinou - gritaram eles, ao verem de perto o bispo - e nos apressamos a vir pedir a repetição delas. O bispo, assombrado, sacudiu a cabeça, negativamente.

“- Meus queridos - respondeu ele, humildemente continuem a viver com sua antiga oração! Como foi que os três santos caminharam sobre a água?

Como foi que Cristo ressuscitou o seu corpo depois de crucificado?

Como foi que Láhiri Mahásaya e Sri Yuktéswar realizaram seus milagres?

A ciência moderna, por enquanto, não tem respostas, embora as perspectivas da mente mundial tenham se ampliado repentinamente com o advento da Era Atômica. A palavra “impossível” está se tornando menos preeminente no vocabulário do homem.

As Escrituras védicas declaram que o mundo físico está sujeito a uma lei fundamental, a de Maya, ou princípio da relatividade e da dualidade. Deus, a Única Vida, é Unidade Absoluta; a fim de revelar-Se nas manifestações diversas e separadas de uma criação, Ele usa um véu irreal ou falso. Este véu dualístico e ilusório é maya. Grandes descobertas científicas dos tempos modernos confirmaram este simples pronunciamento dos ríshis da antiguidade.

A Lei do Movimento, de Newton, é uma lei de maya: “Para cada ação existe sempre uma reação igual e contrária; as ações recíprocas de dois corpos quaisquer, sendo iguais, têm sempre direção oposta”.

Ação e reação são, pois, exatamente iguais. “Existir uma força ímpar é impossível. Deve haver, e sempre há, um par de forças iguais e contrárias”.

Todas as atividades naturais básicas denunciam a sua origem: maya. A eletricidade, por exemplo, é um fenômeno de atração e de repulsão; seus elétrons e prótons são contrários elétricos, Outro exemplo: o átomo ou partícula derradeira da matéria é, como o nosso próprio planeta, um imã com polos positivos e negativos.

Todo o mundo dos fenômenos está sob o inexorável domínio da polaridade; nenhuma lei de física, química ou outra ciência pode jamais subtrair-se aos opostos inerentes ou princípios contrastantes.

A ciência física, portanto, não pode formular leis fora de maya: a verdadeira textura e estrutura da criação. A própria natureza é maya; as ciências naturais devem forçosamente haver-se com a inelutável essência da natureza, já que esta, em sua esfera de ação, é eterna e inexaurível; os cientistas do futuro nada mais poderão fazer senão demonstrar um aspecto após outro de sua variada infinidade.

Sendo assim, a ciência continua em perpétuo fluxo, incapaz de atingir a Causa Primeira e última; apta, é verdade, para descobrir as leis de um cosmo já existente e funcional, mas impotente para achar o Autor da Lei e o Único Operador. São bem conhecidas as grandiosas manifestações da gravitação e da eletricidade, mas o que são a gravitação e a eletricidade, nenhum mortal o sabe.

Transcender maya foi a tarefa atribuída à raça humana pelos profetas milenários. Elevar-se sobre a dualidade da criação e perceber a unidade do Criador, eis o fim supremo do homem. Os que se apegam à ilusão cósmica devem aceitar sua lei essencial de polaridade: fluxo e refluxo, ascensão e queda, noite e dia, prazer e dor, bem e mal, nascimento e morte.

Este padrão cíclico assume certa monotonia angustiosa, depois que o homem passou por alguns milhares de nascimentos; ele começa, então, a lançar um olhar de esperança para além das compulsões de maya.

Remover o véu de maya é pôr à mostra o segredo da criação. Quem assim desnuda o universo é o único monoteísta autêntico. Todos os demais estão adorando imagens pagãs.

Enquanto o homem permanece sujeito às ilusões dualísticas da Natureza, sua deusa é Maya, a de dúplice rosto, como o bifronte Jano; ele não pode conhecer o Deus único e verdadeiro.

No homem, a ilusão do mundo, maya, manifesta-se como avídya, literalmente “não-conhecimento”, ignorância, ilusão. Maya ou avídya não pode - nunca - ser destruída por convicção intelectual ou análise, mas somente alcançando-se o estado interno de nirbikâlpa samádhi. Quando falaram, os profetas do Velho

Testamento e os videntes de todas as épocas e nações, encontravam-se nesse estado de consciência. Ezequiel disse: “Depois que ele me trouxe para a porta, a mesma porta que olha para o leste: e eis que a glória do Deus de Israel veio da direção do oriente: e sua voz era como o som de muitas águas: e a terra resplandeceu com sua glória”.

Através do olho divino na testa (leste), o iogue leva sua consciência a singrar na onipresença, ouvindo o Verbo ou Aurn, o som divino de muitas “águas”: as vibrações de luz que constituem a única realidade da criação.

Em meio aos trilhões de mistérios do cosmo, o mais fenomenal é a luz. Ao contrário das ondas sonoras, cuja transmissão exige atmosfera gasosa ou algum outro meio material, as ondas de luz transpõem livremente o vácuo do espaço interestelar.

Elas dispensam até mesmo o hipotético éter, considerado, na teoria ondulatória, o meio interplanetário da luz; se levarmos em conta a teoria de Einstein, as propriedades geométricas do espaço tornam desnecessárias a teoria do éter. Em qualquer destas hipóteses, a luz, de todas as manifestações da natureza, permanece como a mais sutil, a mais livre de dependência material.

Na gigantesca concepção de Einstein, a velocidade da luz - 300.000 quilômetros por segundo - domina inteiramente a Teoria da Relatividade. Ele prova matematicamente que a velocidade da luz, tanto quanto a mente finita do homem pode alcançar, é a única constante de um universo em fluxo. Deste “absoluto”, a velocidade da luz, dependem todos os padrões humanos de tempo e de espaço.

Não mais abstratamente eternos como eram concebidos, o tempo e o espaço são fatores relativos e finitos. Eles derivam sua validade, como medidas condicionais, unicamente do confronto com o metro-padrão da velocidade da luz.

Companheiro do espaço na relatividade dimensional, o tempo está agora reduzido à sua verdadeira natureza: uma simples essência de ambiguidade. Com alguns rabiscos equacionais de sua pena, Einstein baniu do universo toda relação fixa, exceto a da luz.

Em sua Teoria do Campo Unificado, desenvolvimento posterior da Teoria da Relatividade, o grande físico reuniu numa só fórmula as leis da gravitação e do eletromagnetismo. Reduzindo a estrutura cósmica às variações de uma única lei, Einstein regressou, através de milênios, aos ríshis que proclamaram a única textura da criação: a maya proteica.

Da memorável Teoria da Relatividade, nasceram as possibilidades matemáticas de explorar o átomo como derradeira unidade de matéria. Grandes cientistas estão agora afirmando corajosamente que não só o átomo é energia em vez de matéria, mas que a energia atômica é essencialmente substância mental.

“Reconhecer francamente que a ciência física estuda um mundo de sombras é um progresso dos mais significativos - escreveu Sr. Arthur Stanley Eddington em “A Natureza do Mundo Físico” - No mundo da física, observamos um jogo de aparências, que é o próprio drama da vida cotidiana.

Meu cotovelo, uma sombra (aparência, irrealidade, alusão à essência), apoia-se sobre a mesa, outra sombra; a tinta, sombra, desliza sobre o papel, sombra. Tudo é simbólico, e o físico não vai além do símbolo. Então vem (o filósofo) a Mente, o alquimista que transmuta os símbolos ... Para concluir em termos crus, a substância do mundo é substância mental”.

Com a recente invenção de um microscópio eletrônico, veio a prova definitiva de que a luz é a essência dos átomos, e que a natureza é inevitavelmente dual. O New York Times deu a seguinte notícia, em 1937, sobre a apresentação de um microscópio eletrônico numa assembleia da Associação Americana para o Progresso da Ciências:

“A estrutura cristalina do tungstênio, até hoje conhecida apenas de modo indireto por meio dos raios X, delineou-se com nitidez numa tela fluorescente, mostrando nove átomos dispostos simetricamente em retículo cúbico, com um átomo em cada canto e um no centro.

Os átomos do retículo cristalino do tungstênio apareciam na tela fluorescente como pontos de luz em disposição geométrica. As moléculas de ar, que bombardeavam esse cubo cristalino de luz, podiam ser observados como pontos dançantes de luz, lembrando reflexos de luz solar que tremeluzem em águas movediças...

“O princípio do microscópio eletrônico foi descoberto pela primeira vez em 1927 pelos drs. Clinton J. Davísson e Lester H. Germer, dos Laboratórios da Bell Telephone Co., de Nova York, que demonstraram a dupla personalidade do elétron, pois este apresenta características tanto de partícula quanto de onda.

Em sua qualidade de onda, o elétron evidencia as características da luz; e iniciou-se uma pesquisa para inventar meios de obter a convergência de um feixe de elétrons, da mesma maneira que as lentes convergem a luz para um foco.

Por esta descoberta da qualidade jekyll-Hyde do eléctron... demonstrativa de que o reino inteiro da natureza física possui uma dupla personalidade, o dr. Davisson recebeu o Prêmio Nobel de Física.”

Escreveu Sir James Jeans em O Universo Misterioso: “Os rumos do conhecimento científico apontam para urna realidade não-mecânica; o Universo começa a parecer-se mais a um grande pensamento que a uma grande máquina.” A ciência do século 20 soa, assim, como uma página dos vetustos Vedas.

Da ciência, pois, se este há de ser o caminho, aprenda o homem a verdade filosófica de que não existe universo material; sua textura e urdidura é maya, ilusão. Submetidas à análise, dissolvem-se todas as miragens da realidade.

À medida que se derrubam, uma a uma, as escoras tranquilizantes do mundo físico, o homem percebe obscuramente sua confiança idólatra, sua transgressão do Mandamento Divino: “Não terás outros deuses diante de Mim”.

Em sua famosa equação resumindo a equivalência de massa e energia, Einstein provou que a energia em qualquer partícula de matéria é igual à massa ou peso multiplicado pelo quadrado da velocidade da lua. Obtém-se a liberação das energias atômicas pelo aniquilamento das partículas materiais. A “morte” da matéria deu nascimento à Era Atômica.

A velocidade da luz é uma constante ou um padrão matemático, não porque haja um valor absoluto nos 300.000 quilômetros por segundo, mas porque nenhum corpo material, cuja massa aumente com sua velocidade, pode jamais alcançar a velocidade da luz. Em outras palavras: só um corpo material, cuja massa fosse infinita, poderia igualar a velocidade da luz.

Esta concepção nos leva à lei dos milagres. Mestres capazes de materializar e desmaterializar seus corpos e outros objetos, de mover-se com a velocidade da luz, e de utilizar os raios da luz criadora para produzir instantaneamente qualquer manifestação física, preencheram a condição da lei de Einstein: sua massa é infinita.

A consciência de um iogue perfeito identifica-se sem esforço, não com um corpo limitado, mas com a estrutura universal. A gravitação, seja a “força” de Newton ou a “manifestação da inércia” de Einstein, é impotente para obrigar um mestre a exibir a propriedade do peso: condição gravitacional inerente a todos os objetos materiais.

Quem tem consciência de ser Espírito Onipresente não mais está sujeito à solidez do corpo no espaço e no tempo. Seus “cordões de segurança”, rompidos, cederam ao dissolvente “Eu sou Ele”. “Faça-se a luz! E a luz se fez”. Na criação do universo, o primeiro mandamento de Deus deu nascimento à essência da estrutura: a luz.

Nos fulgores deste instrumento imaterial, ocorrem todas as manifestações divinas. Devotos de todas as épocas dão testemunho da aparição de Deus como flama e luz. “Seus olhos eram como chama de fogo “e “... seu rosto era como o sol quando em sua força resplandece”, nos diz S. João.

Em iogue que, através da meditação perfeita, fundiu sua consciência com o Criador, percebe que a essência do cosmo é a luz (vibrações de energia vital); para ele, nenhuma diferença há entre os raios de luz que compõem a água e os raios de luz que compõem a terra.

Livre da consciência da matéria, livre das três dimensões do espaço e da quarta dimensão do tempo, um mestre desloca seu corpo de luz com igual facilidade sobre ou através dos raios de luz da terra, da água, do fogo e do ar.

“Se, pois, teu olho for único, teu corpo inteiro será luminoso. Concentração prolongada no olho espiritual libertador capacita o iogue a destruir todas as ilusões relativas à matéria e ao peso gravitacional; ele vê o universo como o Senhor o criou: em essência, uma indiferenciada massa de luz.

“As imagens óticas - conta-nos o dr. L. T. Troland, da Universidade de Harvard - forma-se segundo o mesmo princípio das gravuras comuns a meio-tom (autotipia); isto é, constituem-se de minúsculos pontos, ou grânulos demasiado pequenos, para ser percebidos pelo olho... A sensibilidade da retina é tão grande que a sensação visual pode ser produzida por relativamente poucos quanta de luz adequada.”

A lei dos milagres pode ser posta em execução por qualquer homem que tenha a experiência superconsciente de que a essência da criação é luz. Um mestre emprega seu divino conhecimento dos fenômenos da luz para projetar instantaneamente, no plano das manifestações perceptíveis, os ubíquos átomos de luz.

A forma efetiva dessa projeção (seja o que for: uma árvore, um remédio, um corpo humano) é determinada pelo desejo, e pelo poder de vontade e de visualização, do iogue.

À noite, durante o fenômeno psíquico do sonho, o homem escapa das falsas limitações egoístas que constituem sua moldura diária. Ao dormir, ele tem uma demonstração sempre renovável da onipotência de sua mente. Eis que no sonho aparecem seus amigos mortos há longo tempo, os continentes mais remotos, a ressurreição de cenas de sua infância.

A consciência livre e incondicional, de que todos os homens têm breve experiência em determinados sonhos, é o estado mental permanente de um mestre sintonizado com Deus. Liberto de todos os motivos pessoais e empregando a vontade criadora que lhe foi conferida pelo Criador, um iogue recombina os átomos de luz do universo para satisfazer qualquer prece sincera de um devoto.

“E Deus disse: - Façamos o homem à nossa imagem e semelhança; e que ele tenha domínio sobre os peixes do mar, e as aves do ar, e sobre os rebanhos, e sobre a terra, e sobre tudo o que rasteja na terra”. Com este objetivo foram feitos o homem e a criação: para que ele se promovesse a mestre de maya e exercesse seu domínio sobre o COSMO.

Em 1915, pouco depois de meu ingresso na Ordem dos Swâmis, presenciei uma estranha visão. Por intermédio dela vim a compreender a relatividade da consciência humana e percebi claramente a unidade da Luz Eterna por trás das dolorosas dualidades de maya.

A visão me ocorreu quando estava sentado, certa manhã, em meu quartinho no sótão, em casa de Papai, em Gurpar Road. A Primeira Guerra Mundial assolava a Europa, há meses; eu vinha refletindo, com tristeza, na vasta cobrança que a morte fazia.

Ao fechar os olhos em meditação, minha consciência transferiu-se subitamente para o corpo de um capitão no comando de um navio de guerra. O estrondo da artilharia explodia no ar, as baterias do litoral e os canhões da belonave trocavam tiros.

Uma pesada bomba atingiu o depósito de pólvora e despedaçou violentamente o meu navio. Atirei-me à água, junto com alguns marujos que sobreviveram à explosão.

Com o coração pulsando aceleradamente, alcancei a praia, a salvo. Mas, ai! uma bala perdida terminou seu rápido voo em meu peito, Gemendo, caí ao chão. Meu corpo inteiro paralisou-se; entretanto, eu tinha consciência de possuí-lo, como se tem de uma perna que adormeceu.

“Enfim, o misterioso passo da morte me alcançou”- pensei. Exalando o último suspiro, ia mergulhar na inconsciência quando -viva! - achei-me sentado em posição de Lótus em meu quarto de Gurpar Road.

Lágrimas histéricas brotavam de meus olhos enquanto eu dava pancadinhas e beliscava, cheio de alegria, minha propriedade reconquistada: um corpo livre de orifício de bala no peito. Balancei-me de um lado para o outro, respirando deliberadamente, para assegurar-me de que estava vivo.

Em meio destas autocongratulações, novamente senti que minha consciência se transferia para o corpo morto do capitão, na praia ensanguentada. Absoluta confusão mental apoderou-se de mim.

“Senhor - rezei - estou morto ou vivo?”

Um ofuscante jogo de luz encheu todo o horizonte. Uma vibração suavemente rumorejante modulou-se em palavras: - Que tem a vida ou a morte a ver com a luz? À imagem de Minha luz Eu te fiz. As relatividades da vida e da morte pertencem ao sonho cósmico. Contempla teu ser, sem sonhos! Desperta, Meu filho, desperta!

O Senhor inspira os cientistas a descobrirem, na época e no lugar oportunos, como etapas no despertar do homem, os segredos de Sua criação. Muitos descobrimentos modernos ajudam a homem a compreender o cosmo como expressão múltipla de um único poder: a luz, guiada pela inteligência divina.

As maravilhas do cinema, do rádio, dá televisão, do radar, da célula fotoelétrica - o extraordinário “olho elétrico”- as prodigiosas energias atômicas, tudo é baseado nos fenômenos eletromagnéticos da luz.

A arte cinematográfica pode retratar qualquer milagre. Do ponto de vista das impressões visuais, suas trucagens permitem todos os prodígios. Um homem pode ser visto como um transparente corpo astral desprendendo-se de sua grosseira forma física; pode caminhar sobre a água, ressuscitar os mortos, inverter a sequência natural no desdobramento dos fenômenos, e brincar de anular o tempo e o espaço.

Um perito pode juntar os fotogramas a seu bel-prazer, obtendo maravilhas áticas semelhantes àquelas que um verdadeiro mestre produz com autênticos raios de luz.

Os filmes de cinema, com suas imagens animadas, ilustram muitas verdades concernentes à criação. O Diretor Cósmico escreveu os argumentos de suas próprias películas e convocou enormes elencos para os cenários dos séculos. Da cabina escura da eternidade, Ele envia Seus raios de luz através de fitas de eras sucessivas e as cenas se projetam na tela do espaço.

Exatamente como as imagens cinematográficas parecem reais mas são apenas combinações de luz e sombra, assim também a variedade universal é uma aparência ilusória.

Os planetas, com suas incontáveis formas de vida, nada mais são que imagens num filme cósmico. Temporariamente verdadeiras aos cinco sentidos do homem, as cenas transitórias são projetadas na tela da consciência humana pelo infinito raio criador.

Olhando para cima, numa sala de projeção, os espectadores podem observar que todas as imagens surgidas na tela derivam de um raio de luz sem imagens. Do mesmo modo, a branca e única luz da Fonte Cósmica emite o colorido drama universal, Com engenhosidade inconcebível, Deus procede à montagem de “superespetáculos” para diversão de Seus filhos, fazendo-os simultaneamente atores e espectadores de Seu cinema cósmico.

Certo dia, entrei num cinema para ver um documentário dos campos de batalha europeus. A Primeira Guerra Mundial ainda se travava no Ocidente; o jornal cinematográfico apresentava a carnificina com tanto realismo que deixei o cinema com o coração consternado.

“Senhor - rezei - por que Tu permites tal sofrimento?”

Com enorme surpresa, recebi Sua resposta instantânea, sob a forma de uma visão dos campos de batalha, os verdadeiros, da Europa. As cenas, repletas de mortos e agonizantes, ultrapassavam em crueldade qualquer representação do cinejornal.

- Preste atenção!

- Uma voz suave dirigia-se à minha consciência interiorizada.

- Você verá que estas cenas, agora ocorrendo na França, não são mais que fotogramas em branco e preto. Elas constituem o filme cósmico, tão real e tão irreal como o documentário que você acabou de ver - um filme dentro de outro filme.

Meu coração ainda não estava consolado. A Voz Divina continuou:

A criação é, ao mesmo tempo, luz e sombra; do contrário, nenhum filme seria possível. O bem e o mal de maya devem se alternar sempre. Se a alegria fosse ininterrupta aqui neste mundo, o homem viria a desejar um outro? Sem o sofrimento, ele dificilmente trata de recordar que abandonou seu lar eterno.

A dor é um aguilhão da reminiscência. A via de escape implica sabedoria. A tragédia da morte é irreal; os que tremem diante dela assemelham-se a um ator ignorante que morre de medo no palco quando é disparado contra ele um cartucho de pólvora seca. Minhas criaturas são filhos da luz; não dormirão para sempre na ilusão.

Embora eu tivesse lido descrições de maya nas Escrituras, não me deram a profunda percepção interna que obtive com as visões pessoais e com aquelas palavras simultâneas de consolo. Os valores de um indivíduo se modificam radicalmente quando ele afinal se convence de que a criação é apenas um vasto cinema; e que a própria realidade da criação reside, não nela, mas além dela.

Quando terminei de escrever este capítulo, sentei-me, em posição de lótus, sobre minha cama. Dois quebra-luzes iluminavam tenuemente o quarto. Erguendo meu olhar, percebi que o teto estava pontilhado de luzinhas cor de mostarda, cintilantes e trêmulas como centelhas radioativas. Miríades de raios, como: riscos de lápis ou linhas de chuva, reuniam-se num feixe transparente e jorravam em silêncio sobre mim.

Imediatamente, meu corpo físico perdeu sua densidade e metamorfoseou-se em textura astral. Tive a sensação de flutuar, enquanto o corpo, sem peso, mal tocando o leito, movia-se ligeiramente, ora para a esquerda, ora para a direita. Olhei ao redor do quarto; móveis e paredes permaneciam os mesmos, mas a pequena massa de luz multiplicara-se tanto que o teto era invisível. Eu estava maravilhado.

- Este é o mecanismo do cinema cósmico.

- Uma Voz falou como se viesse do interior da luz.

- Projetando um feixe de raios na tela branca dos lençóis de sua cama, ele está produzindo o filme de seu corpo, Observe, esse corpo nada mais é que luz!

Olhei para meus braços, movi-os para trás e para diante e, todavia, não conseguir sentir o peso deles. Uma alegria extática me inundou. O talo cósmico de luz, florescendo como corpo meu, parecia uma divina reprodução dos raios luminosos que saem da cabina de projeção de um cinema e manifestam-se na tela como imagens.

Durante longo tempo assisti a este filme de meu corpo no cinema debilmente iluminado de meu próprio quarto. Embora eu tivesse tido muitas visões, nenhuma, até aquele instante, fora tão singular. A ilusão quanto à solidez de meu corpo se desfizera por completo e mais se aprofundava minha experiência de que a essência de todos os objetos é luz; ergui os olhos para o fluxo palpitante de vitátrons e supliquei:

- Luz Divina, por favor, reabsorve esta humilde imagem corporal em Ti Mesma, à semelhança de Elias que subiu ao céu num carro de fogo.

Evidentemente esta prece causou alarme, pois o feixe de raios desapareceu. Meu corpo readquiriu seu peso normal e afundou na cama; o enxame de luzes ofuscantes bruxuleou e sumiu. Minha hora de abandonar este mundo ainda não chegara.

- Além disso - pensei filosoficamente - Elias bem poderia ter se desgostado com a minha presunção!


Livro “Autobiografia de um Iogue” – Capítulo 31 – Yogananda

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