Segunda, 28 Junho 2021

A Importância dos Rituais

Escrito por Rüdger Dahlke
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As antigas culturas que conhecemos tinham, sem exceção, uma coisa em comum: a partir de símbolos, elas criavam rituais não só para as principais fases de transição da vida, mas também para o dia a dia e suas exigências.

Somente o homem moderno acredita poder seguir adiante sem rituais, considerando-os crendices já superadas. Contra este pano de fundo, é de admirar ainda mais o grande número de rituais que foram conservados em nossa esclarecida época. Despercebidos ou propositadamente ignorados, eles continuam dominando a imagem da sociedade.

Ao lado dos poucos rituais que perduraram conscientemente, tais como o batismo, a primeira comunhão, a crisma, o matrimônio e o sepultamento, há inúmeras ações semiconscientes e inconscientes que vivem de seu caráter ritual.

Pequenos rituais obrigatórios preenchem o cotidiano, como se repentinamente pessoas adultas não pudessem, sem eles, desenvolver sequências de passos próprias dentro do padrão da marcha diária, seja a compulsão de contar as colunas que passam rapidamente pela janela enquanto viajamos de metrô, quando se tem que verificar cinco vezes se o carro está realmente fechado, se a porta da casa está trancada, se os aparelhos estão desligados da tomada e assim por diante.

Todos esses procedimentos não têm qualquer sentido lógico apreensível, tratando-se unicamente, tal como é típico dos rituais, da ação por si mesma. Ao lado desses rituais cotidianos e aparentemente secundários, há também grande número de rituais importantes.

Nossa justiça ergue-se sobre o pressuposto de que os membros da sociedade reconhecem e acreditam nesse antigo ritual que é a jurisdição. Em cada procedimento, o caráter ritual torna-se claro em sua evolução rigidamente ritualizada. A jurisdição corresponde quase a uma ordem, seja ela religiosa ou laical. As togas dos magistrados, dos promotores e dos advogados de defesa são hábitos rituais cheios de significado.

Por que outra razão deveria um jurista adulto usar um vestido e uma peruca se não para servir ritualmente à deusa Justiça? Tal como os sacerdotes, o juiz exerce seu cargo sem levar em consideração sua própria pessoa ou a do acusado.

Enquanto ocupa seu cargo, só está submetido às regras do ritual da justiça e deixa de ser uma pessoa individual particular com opiniões próprias até o final do julgamento. Caso não consiga isso, estando comprometido com outras coisas que não exclusivamente os livros da lei, ele é recusado por ser parcial.

O fechamento de um contrato, o reconhecimento consciente dos fatos através da assinatura do próprio punho, preenche os critérios de um ritual. Precisamente, não é possível datilografar ou carimbar o nome na folha de papel, ainda que assim ele fosse mais legível. Nos acordos políticos, a celebração da ratificação como ritual de reconhecimento chama especialmente a atenção.

As relações usuais entre as pessoas também estão submetidas a regras rituais que têm pouco sentido se consideradas do ponto de vista funcional. Por que, ao cumprimentar alguém, se dá justamente a mão direita aberta e não o punho esquerdo fechado? Nossa vida está determinada por símbolos e sinais, das cores das roupas até os sinais de trânsito.

Todos os procedimentos rituais desse tipo somente subsistem porque são reconhecidos e seguidos. Regras e sinais de trânsito não têm qualquer sentido em si mesmos mas, respeitados por todos, regulamentam as mais difíceis situações. Rituais não são lógicos, mas simbólicos. eles são o padrão operante. Sem eles, a vida em sociedade seria impossível.

O problema está em que rituais inconscientes não funcionam tão bem quanto aqueles que são conscientes, e na sociedade industrial moderna predomina uma forte tendência à inconsciência. De maneira cada vez mais duradoura, o significado dos rituais perde seu embasamento na consciência e mergulha na sombra.

Na superfície social, as formas esvaziadas de sentido degeneram em costumes. Estes são manifestamente persistentes devido ao fato de terem suas raízes profundas no padrão que um dia foi consciente.

Ainda que o sentido original tenha sido esquecido há muito, os costumes subsistem e continuam dando à sociedade uma moldura. As tentativas de eliminá-los através de reformas muitas vezes naufragam devido a seu profundo enraizamento.

Por muito brio que os revolucionários franceses de 1789 tenham posto na tentativa de transformar a semana de 7 dias em um ritmo decimal mais lógico e produtivo, o ritmo setenário estava profundamente enraizado na realidade e sobreviveu à Revolução.

Até mesmo quando não conhecemos mais as raízes, continuando ainda assim vigentes as regras que delas se originaram, permanecemos na segurança do padrão. O único perigo está em que a carga anímica esmoreça junto com a consciência.

Caso as regras somente sejam cumpridas mecanicamente, sem consciência, elas se trivializam. Quando seu sentido não é mais reconhecido, elas nos parecem absurdas. Por essa razão, nós não as interpretamos mais, e elas necessariamente perdem significado.


Livro A Doença como Linguagem da Alma - Rüdger Dahlke – Rituais em Nossa Sociedade

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