“Necessitamos dinheiro para ter “pão, vestimenta e refúgio”; mas, quando o dinheiro se converte em uma necessidade psicológica, origina-se a luta e o conflito para possuí-lo”.
Samael Aun Weor
A COBIÇA OU AMBIÇÃO
É necessário saber viver. Isto é algo que devemos entender. Quando conversamos com alguém, este nos conta os diversos fatos de sua vida; fala-nos, por exemplo, de acontecimentos, daquilo que lhe sucedeu em determinadas épocas de sua história (como se a vida fosse unicamente uma corrente de eventos).
As pessoas não percebem que, além das circunstâncias da vida, existem também os ESTADOS DE CONSCIÊNCIA. A capacidade para viver baseia-se, precisamente, na forma como alguém consegue combinar os estados de Consciência com as circunstâncias da vida.
[...]Podemos verificar o fato contundente, claro e definitivo de que há pessoas que deveriam ser felizes e não o são. Conhecemos casos concretos de pessoas que têm uma boa casa, um bonito carro, uma magnífica esposa, preciosos filhos e dinheiro suficiente, e, no entanto, não são felizes.
Em troca, podemos ver, corroborar, casos de indivíduos pobres que são devotados, possivelmente humildes trabalhadores de pá e enxada, que não dispõem de uma bonita mansão, nem têm mais dinheiro que o que necessitam para o sustento diário, nem possuem um precioso carro último modelo, e que, no entanto, são felizes em seus lares, com seus filhos (pobres, porém limpos e asseados) e com suas esposas prendadas e sinceras.
Assim, não é o dinheiro em si mesmo o que pode dar a felicidade. Tudo depende da forma como saibamos combinar os estados de Consciência com as circunstâncias da vida prática.
El Quinto Evangelio “Pedagogía Del Saber Vivir”
É necessário que você tenha três coisas na vida: “pão, vestimenta e moradia”. Não devemos passar fome, necessitamos comer. Não devemos andar malvestidos; é necessário vestir bem. É justo ter uma casa onde se possa viver decentemente.
Estas três coisas são as necessidades primárias do ser humano. É urgente que todos possamos compreender onde acabam nossas necessidades e onde começa a cobiça. Só compreendendo profundamente a necessidade e a cobiça poderemos estabelecer bases verdadeiras para o correto processo do pensar. AS DIVERSAS CARAS DA AMBIÇÃO A Ambição é polifacetada.
A ambição tem cara de santo e cara de diabo, cara de homem e cara de mulher, cara de interesse e cara de desinteresse, cara de virtuoso e cara de pecador. Existe ambição naquele que quer casar-se e no velho solteirão empedernido que não gosta do matrimônio.
Existe ambição naquele que deseja com loucura infinita ser alguém, aparecer, subir na vida, e existe ambição naquele que se torna anacoreta, que não deseja nada deste mundo porque sua única ambição é alcançar o Céu, libertar-se, etc.
Existem ambições terrenas e ambições espirituais. Às vezes a ambição usa a máscara do desinteresse e do sacrifício. Encanta ao Eu, ao Mim Mesmo, ao Si Mesmo, esconder a ambição, metê-la nos recôncavos mais secretos da mente, e logo dizer: “Eu não ambiciono nada, eu amo meus semelhantes, eu trabalho desinteressadamente pelo bem de todos os outros seres humanos”.
O político “esperto”, que sabe de tudo, assombra às vezes as multidões com suas obras aparentemente desinteressadas, mas, quando abandona o cargo, é apenas normal que saia de seu país com uns quantos milhões de dólares.
A ambição disfarçada com a máscara do desinteresse consegue enganar as pessoas mais astutas. Existem no mundo muitas pessoas que só ambicionam não ser ambiciosas. São muitos os que renunciam a todas as pompas e vaidades do mundo, porque só ambicionam sua própria Auto Perfeição Íntima.
O penitente que caminha de joelhos até o templo e que se flagela cheio de fé não ambiciona aparentemente nada, e até se dá o luxo de dar sem tirar de ninguém, porém é claro que ambiciona o milagre, a cura, a saúde para si mesmo ou algum familiar, ou, quem sabe, a salvação eterna.
Admiramos os homens verdadeiramente religiosos, mas lamentamos que não amem sua religião com todo o desinteresse. As santas religiões, as sublimes seitas, ordens, sociedades espirituais, etc., merecem nosso amor desinteressado.
É muito raro encontrar neste mundo alguma pessoa que ame sua religião, sua escola, sua seita, etc., desinteressadamente. Isso é lamentável. Todo o mundo está cheio de ambições. Hitler lançou-se à guerra por ambição. Todas as guerras têm sua origem no medo e na ambição. Todos os maiores problemas da vida têm sua origem na ambição.
Todo o mundo vive em luta contra todo o mundo devido à ambição, uns contra outros e todos contra todos. Quem não ambiciona este mundo ruim e miserável ambiciona o outro; e quem não ambiciona dinheiro ambiciona poderes psíquicos. Existe cobiça de poderes ocultos quando queremos resultados.
Aqueles que só querem resultados são cobiçosos. Aqueles que andam aqui e acolá acumulando teorias, buscando poderes, hoje em uma escola, amanhã em outra, estão de fato aprisionados na garrafa da cobiça.
A mente engarrafada na cobiça é instável. Emigram de “Loja” em “Loja”, de escola em escola, de seita em seita; sempre sofrendo, etc., sem jamais conseguir nada, porque o instável não pode jamais compreender o estável, permanente e Divino. Só Deus se compreende a Si Mesmo.
A mente engarrafada na cobiça é incapaz de compreender as coisas que estão fora da garrafa. Os cobiçosos querem engarrafar Deus, e por isso andam de escola em escola sempre buscando, sempre ansiando, inutilmente, porque ninguém pode engarrafar Deus.
Quem quer trabalhar na “Grande Obra Interior” deve abandonar primeiro a cobiça. O pedreiro cobiçoso abandona a obra quando encontra em seu caminho outra obra, ainda que esta última seja realmente de trevas. Todos os cobiçosos retiram-se da “Grande Obra Interior”. Muitos são os que começam o Trabalho, poucos os que o terminam.
Os “Mestres Ressurrectos” podem ser contados nos dedos das mãos. Existem grandes ambições espirituais e existem grandes ambições terrenas. Os que não cobiçam dinheiro cobiçam poderes; os que não cobiçam poderes cobiçam dinheiro.
Existe cobiça pelo dinheiro quando o desejamos com propósitos psicológicos e não para suprir nossas necessidades físicas. Por que o dinheiro assumiu tão imensa importância em nossa vida? Acaso dependemos exclusivamente dele para nossa própria felicidade psicológica?
Todos os seres humanos necessitamos “pão, vestimenta e moradia”, isto se sabe, porém, por que isto, que é tão natural e simples até para as aves do céu, assumiu importância e significação tão tremenda e espantosa? O dinheiro assumiu tal valor, exagerado e desproporcionado, porque psicologicamente dependemos dele para nosso bem-estar.
O dinheiro alimenta nossa vaidade pessoal, dá-nos prestígio social, nos dá os meios para alcançar o poder. O dinheiro foi usado pela mente com fins e propósitos totalmente diferentes dos que tem em si mesmo, entre os quais estão nossas necessidades físicas imediatas.
O dinheiro está sendo utilizado com propósitos psicológicos; esta é a causa pela qual assumiu uma importância exagerada e desproporcional. Necessitamos dinheiro para ter “pão, roupa e moradia”, isto é óbvio; porém, quando o dinheiro se converte em uma necessidade psicológica, quando o utilizamos com propósitos diversos dos que tem em si mesmo, quando dependemos dele para conseguir fama, prestígio, posição social, etc., então o dinheiro assume para a mente uma importância exagerada e desproporcional: daí se origina a luta e o conflito por possuí-lo.
É lógico que temos de conseguir dinheiro para satisfazer nossas necessidades físicas (para ter “pão, roupa e moradia”); mas, se dependemos do dinheiro exclusivamente para nossa própria felicidade e satisfação pessoal, então somos os seres mais infelizes da Terra.
Quando compreendemos profundamente que o dinheiro só tem como objetivo proporcionar-nos “pão, roupa e moradia”, então lhe colocamos espontaneamente uma limitação inteligente; o resultado disso é que o dinheiro já não assume para nós essa importância tão exagerada que tem quando se converte em uma “necessidade psicológica”.
O dinheiro em si não é bom nem mau, tudo depende do uso que façamos dele. Se o utilizamos para o bem, é bom, se o utilizamos para o mal, é mau. Necessitamos compreender a fundo a verdadeira natureza da “sensação” e da “satisfação”. A mente que queira chegar a compreender a Verdade deve estar livre destas travas.
Se queremos realmente libertar o pensamento das travas da sensação e da satisfação, temos que começar com aquelas sensações que são para nós mais familiares e estabelecer ali a base adequada para a compreensão.
As sensações têm seu lugar adequado e, quando as compreendemos profundamente em todos os níveis da mente, não assumem a estúpida deformação que agora apresentam. Muitas pessoas pensam que se tudo acontecesse de acordo com o partido político ao qual pertencem e pelo qual lutam sempre, então teríamos um mundo feliz, cheio de abundância, paz e perfeição.
Esse é um conceito falso, porque realmente nada disso pode existir se antes não compreendemos individualmente o verdadeiro significado das coisas. O ser humano é demasiado pobre internamente, e por isso necessita de dinheiro e das coisas para sua sensação e satisfação pessoal.
Quando alguém é pobre internamente, busca externamente dinheiro e coisas para complementar-se e conseguir satisfação. É por isso que o dinheiro e as coisas materiais adquiriram um valor desproporcional, e é por isso também que o ser humano está disposto a roubar, mentir e explorar a cada instante.
A isto se deve a luta entre “o capital e o trabalho”, entre “patrões e empregados”, entre “exploradores e explorados”, etc. São inúteis todas as mudanças políticas se antes não houvermos compreendido nossa própria pobreza interior.
O sistema social pode ser alterado muitas vezes, mas, se não compreendermos profundamente a natureza íntima de nossa pobreza interior, o indivíduo criará sempre novos meios e caminhos para obter a satisfação pessoal à custa da paz dos outros.
É urgente compreender profundamente a natureza íntima deste “Mim-Mesmo” (o Ego), se é que realmente queremos ser ricos internamente. Quem é rico internamente está livre das travas da sensação e satisfação pessoal. Quem é rico internamente é incapaz de explorar o próximo, é incapaz de roubar e mentir. Quem é rico internamente encontrou a felicidade.
Necessitamos do dinheiro, é certo, porém é necessário compreender profundamente nossa justa relação com este. Nem o asceta nem o avarento cobiçoso compreenderam jamais qual é nossa justa relação com o dinheiro.
Não é renunciando ao dinheiro, nem cobiçando-o, que podemos chegar a entender nossa justa relação com ele; necessitamos compreensão para dar-nos conta inteligentemente de nossas próprias necessidades materiais sem depender desproporcionalmente do dinheiro.
Conhecemos o caso de um homem que jamais tinha dinheiro; visitava as pessoas dedicadas aos estudos espirituais e todas essas pessoas lhe davam “pão, roupa e moradia”. Esse homem dizia: “Eu não preciso de dinheiro, porque, se tenho fome, qualquer amigo me dá de comer, e, se tenho sede, qualquer um me dá de beber; se necessito viajar, qualquer um me dá a passagem, e, se necessito me divertir, sento-me em algum jardim, pois o jardineiro trabalha para mim” ...
Não há dúvida de que esse homem é um tremendo egoísta, enamorado de si mesmo. Sempre pensou no que os outros lhe dariam, mas jamais pensou em corresponder, em dar, em fazer mais feliz a vida dos demais. Assim é como no incenso da oração também se esconde o delito...
Não devemos cair em semelhantes erros, devemos aprender a relacionar-nos com o dinheiro. Quando compreendemos nossa justa relação com o dinheiro, termina de fato a dor do desprendimento e o espantoso sofrimento que nos produz a competição. Devemos aprender a diferenciar entre nossas necessidades físicas imediatas e a dependência psicológica das coisas.
A dependência psicológica das coisas cria a exploração e a escravidão. A cobiça do mundo está dentro do indivíduo. A cobiça é a causa secreta do ódio e das brutalidades do mundo. Nós somos o mundo.
Só compreendendo o processo completo da cobiça em todos os níveis da mente podemos chegar a experimentar a Grande Realidade. CAUSAS DA AMBIÇÃO A ambição tem várias causas, e uma delas é isso que se chama “medo”.
O humilde adolescente que nos parques das luxuosas cidades limpa os sapatos dos orgulhosos cavalheiros poderiam converter-se em ladrão se chegasse a sentir medo da pobreza, medo de si mesmo, medo de seu futuro.
A humilde costureira que trabalha na luxuosa loja do potentado poderia converter-se em ladra ou prostituta da noite para o dia se chegasse a sentir medo do futuro, medo da vida, medo da velhice, medo de si mesma, etc., etc.
O elegante garçom do restaurante de luxo ou grande hotel poderia converter-se em um “gangster”, em um assaltante de bancos ou um ladrão muito astuto, se por infelicidade chegasse a sentir medo de si mesmo, de sua humilde posição de garçom, de seu próprio futuro, etc.
O insignificante inseto ambiciona ser elefante. O pobre vendedor de loja que atende a clientela e que com paciência nos mostra a gravata, a camisa, os sapatos, fazendo muitas reverências e sorrindo com fingida mansidão, ambiciona algo mais porque tem medo, muito medo; medo da miséria, medo de um futuro sombrio, medo da velhice, etc.
Quando os pintinhos têm medo, escondem-se debaixo das asas amorosas da galinha em busca de segurança. A criança assustada corre em busca de sua mãe porque junto a ela se crê segura. Está, pois, demonstrado que o MEDO e a BUSCA DE SEGURANÇA estão intimamente associados.
Muitas pessoas que não sabem trabalhar, aterrorizadas diante da miséria, buscam a segurança no delito e tornam-se ladrões, assaltantes, etc. Muitas mulheres pouco inteligentes, assustadas diante da possibilidade da miséria, convertem-se em prostitutas.
O locador, com medo de que as pessoas não lhe paguem o aluguel da casa, exige contratos, fiadores, depósitos, etc., querendo assim assegurar-se. E se uma viúva pobre e cheia de filhos não pode preencher todos os requisitos, e se todos os locadores de uma cidade fazem o mesmo, por fim a infeliz terá que dormir com seus filhos na rua ou nos parques da cidade.
É indispensável que todo indivíduo aprenda a confiar em si mesmo. O medo e a busca de segurança são terríveis fraquezas que converteram a vida em um espantoso inferno. Por todos os lugares abundam os covardes, os medrosos, os fracos que andam sempre em busca de segurança.
Teme-se a vida, teme-se a morte, teme-se “o que dirão”, o “disse-que-disse”, perder a posição social, a posição política, o prestígio, o dinheiro, a casa bonita, a mulher bonita, o bom marido, o emprego, o negócio, o monopólio, os móveis, o carro, etc., etc., etc. O medo e a busca de segurança são, pois, dois dos elementos que atuam como molas secretas da ambição.
Outro dos mecanismos ocultos que despertam essa ambição no animal intelectual, equivocadamente chamado homem, chama-se INVEJA. A inveja pode manifestar-se às vezes sob formas agradavelmente sutis e deliciosas. A inveja é polifacetada, e existem milhares de razões para justificá-la. A inveja é a mola secreta de toda a maquinaria social.
Encanta aos imbecis justificar a inveja. Para infelicidade do mundo, todo o mecanismo da sociedade baseia-se na inveja e no espírito aquisitivo. Todo o mundo inveja todo o mundo. Invejamos as ideias, as coisas, as pessoas, e queremos adquirir dinheiro e mais dinheiro, novas ideias que acumulamos na memória, novas coisas para deslumbrar nossos semelhantes, etc.
O rico inveja o rico e quer ser mais rico. Os pobres invejam os ricos e querem também ser ricos. O escritor inveja outro escritor e quer escrever melhor. O que tem muita experiência inveja o que tem mais experiência e deseja ter mais experiência que aquele. As pessoas não se contentam com “pão, roupa e moradia”.
A mola secreta da inveja pelo automóvel alheio, pela casa alheia, pelo terno do vizinho, pelo muito dinheiro do amigo ou do inimigo, etc., produz desejos de melhorar, adquirir coisas e mais coisas, vestidos, roupas, virtudes, para não ser menos que outros, etc., etc., etc.
O mais trágico de tudo isso é que o processo acumulativo de experiências, virtudes, coisas, dinheiro, etc., robustece o Eu pluralizado, intensificando-se então dentro de nós mesmos as contradições íntimas, as espantosas dilacerações, as cruéis batalhas de nosso foro interno, etc., etc., etc. Tudo isso é dor.
Nada disso pode trazer verdadeira alegria ao coração aflito. Tudo isso produz aumento de crueldade em nossa psique, multiplicação da dor, descontentamento cada vez mais profundo. O Eu pluralizado encontra sempre justificativas até para os piores delitos, e a esse processo de invejar, adquirir, acumular, conseguir, ainda quando seja às custas do trabalho alheio, chamas-lhe evolução, progresso, avanço, etc.
As pessoas têm a Consciência adormecida e não se dão conta de que são invejosas, cruéis, cobiçosas, ciumentas, e quando por algum motivo chegam a perceber tudo isto, então justificam-se, condenam, buscam evasivas, mas não compreendem.
A inveja é difícil de ser descoberta devido ao fato concreto de que a mente humana é invejosa. A estrutura da mente baseia-se na inveja e na aquisição. A inveja começa desde os bancos da escola. Invejamos a inteligência superior de nossos colegas de sala de aula, as melhores qualificações, os melhores trajes, os melhores vestidos, os melhores sapatos, a melhor bicicleta, os patins mais bonitos, a bola bonita, etc., etc.
Os professores e professoras envolvidos no processo de formação da personalidade dos alunos e alunas devem compreender o que são os infinitos processos da inveja e estabelecer dentro da psique de seus estudantes a base adequada para a Compreensão.
A mente, invejosa por natureza, só pensa em função do “mais”: “Eu posso explicar melhor, eu tenho mais conhecimentos, eu sou mais inteligente, eu tenho mais virtudes, mais santificações, mais perfeições, mais evolução”, etc. Todo o funcionalismo da mente baseia-se no “mais”.
O “mais” é a mola secreta íntima da inveja. O “mais” é o processo comparativo da mente. Todo processo comparativo é abominável. Exemplo: “Eu sou mais inteligente que você”. “Fulano de tal é mais virtuoso que você”. “Fulana de tal é melhor que você, mais sábia, mais bondosa, mais bonita”, etc., etc., etc. O “mais” cria o tempo.
O Eu Pluralizado necessita de tempo para ser melhor que o vizinho, para demonstrar à família que é muito genial e que pode chegar a ser alguém na vida, para demonstrar a seus inimigos ou àqueles a quem inveja que é mais inteligente, mais poderoso, mais forte, etc.
O pensamento comparativo baseia-se na inveja e produz isso que se chama insatisfação, desassossego, amargura. As pessoas comparam seus amigos, seus familiares, seus filhos, com os filhos do vizinho, com as pessoas vizinhas.
Comparam sua casa, seus móveis, suas roupas, todas as suas coisas, com as coisas do vizinho ou vizinhos ou do próximo. Comparam suas ideias, a inteligência de seus filhos com as ideias de outras pessoas, com a inteligência dos outros, e surge a inveja, que se converte então na mola secreta da ação.
Onde existe comparação do que somos aqui e agora com o que queremos chegar a ser mais tarde, onde existe comparação de nossa vida prática com o ideal ou modelo ao qual queremos acomodar-nos, não pode existir verdadeiro Amor. Toda comparação é abominável.
Toda comparação traz medo, inveja, orgulho, etc.; medo de não conseguirmos o que queremos, inveja pelo progresso alheio, orgulho porque achamo-nos superiores aos outros. Infelizmente, as pessoas vão de um oposto a outro, de um extremo a outro.
Não sabem caminhar pelo Centro. Muitos lutam contra o descontentamento, a inveja, a cobiça, o ciúme, porém a luta contra o descontentamento não trará jamais a “verdadeira alegria do Coração”.
É urgente compreender que a “verdadeira satisfação do Coração tranquilo” não se compra nem se vende, e só nasce em nós com inteira naturalidade e de forma espontânea quando compreendemos a fundo as causas do descontentamento: ciúmes, inveja, cobiça, etc., etc.
Aqueles que querem conseguir dinheiro, posição social magnífica, virtudes, satisfações de toda espécie, etc., etc., etc., com o propósito de alcançar o verdadeiro Contentamento, estão totalmente equivocados, porque tudo isso baseia-se na inveja, e o caminho da inveja não pode jamais conduzir-nos ao porto do Coração tranquilo e contente.
A mente engarrafada no Eu Pluralizado torna a inveja uma virtude e até se dá ao luxo de colocar-lhe nomes agradáveis: progresso, evolução espiritual, anseio de superação, luta pela dignificação, etc., etc., etc. Tudo isso produz desintegração, contradições íntimas, lutas secretas, problemas de difícil solução, etc.
É difícil encontrar na vida alguém que seja verdadeiramente íntegro no sentido mais completo da palavra. É totalmente impossível conseguir a integração total enquanto exista dentro de nós mesmos o Eu Pluralizado.
É urgente compreender que dentro de cada pessoa existem três fatores básicos. Primeiro: PERSONALIDADE. Segundo: EU PLURALIZADO. Terceiro: O MATERIAL PSÍQUICO, quer dizer, a ESSÊNCIA mesma da pessoa.
O Eu Pluralizado malgasta estupidamente o Material Psicológico em explosões atômicas de inveja, cobiça, medo, etc., etc. É necessário dissolver o Eu Pluralizado com o propósito de acumular dentro o Material Psíquico para estabelecer em nosso interior um “Centro Permanente de Consciência”.
Aqueles que não possuem um “Centro Permanente de Consciência” não podem ser íntegros. Só o “Centro Permanente de Consciência” nos dá verdadeira individualidade.
Só o “Centro Permanente de Consciência” nos torna Íntegros.
A VERDADEIRA VOCAÇÃO
Toda pessoa ambiciona ser algo na vida. As pessoas de certa idade, professores, pais de família, tutores, etc., estimulam os meninos, as meninas, as senhoritas, os jovens, etc, a seguir pelo horrível caminho da ambição.
É lamentável que se encha os meninos e as meninas de terror desde seu próprio lar. Os meninos e meninas são ameaçados, intimidados, aterrorizados, espancados, etc. É costume de pais de família e professores aterrorizar a criança e o jovem para que estudem.
É comum dizer-se às crianças e aos jovens que, se não estudarem, terão que pedir esmolas, vagar famintos pelas ruas, exercer trabalhos muito humildes como limpar sapatos, carregar fardos, vender jornais, trabalhar com o arado, etc., etc., etc...
Como se o trabalho fosse um delito! No fundo, detrás de todas estas palavras de pais e professores existe o medo pelo filho e a busca de segurança para o filho Os adultos dizem aos alunos e alunas: “Tens que ser alguém na vida, ficar rico, casar-te com gente milionária, ser poderoso, etc., etc”.
As gerações velhas, horríveis, feias, antiquadas, querem que as novas gerações sejam também ambiciosas, feias e horríveis como elas. O mais grave de tudo isso é que os jovens se deixam influenciar, se deixam conduzir por esse horrível caminho da ambição.
Os professores e professoras devem ensinar aos alunos e alunas que nenhum trabalho honrado merece desprezo; é absurdo olhar com desprezo o chofer de táxi, o vendedor, o camponês, o engraxate, etc.
Todo trabalho humilde é belo. Todo trabalho humilde é necessário na vida social. Nem todos nascemos para ser engenheiros, governadores, presidentes, doutores, advogados, etc. No conglomerado social necessitam-se todos os trabalhos, todos os ofícios; nenhum trabalho honrado pode jamais ser desprezível.
Na vida prática cada ser humano serve para algo, e o importante é saber para que cada qual serve. É dever dos professores e professoras descobrir a VOCAÇÃO de cada estudante e orientá-lo neste sentido. Aquele que trabalha na vida de acordo com sua vocação trabalhará com Amor verdadeiro e sem ambição.
O Amor deve substituir a ambição. A vocação é aquilo de que realmente gostamos, aquela profissão que desempenhamos com alegria porque é o que nos agrada, o que amamos. Na vida moderna, por infelicidade, as pessoas trabalham sem prazer e por ambição, porque exercem trabalhos que não coincidem com sua vocação.
Quando alguém trabalha naquilo de que gosta, em sua verdadeira vocação, o faz com amor porque ama sua vocação, porque suas aptidões para a vida são exatamente as de sua vocação. Este é precisamente o trabalho dos professores: saber orientar os alunos e alunas, descobrir suas aptidões e orientá-los pelo Caminho de sua autêntica vocação.
Quem conhece sua vocação ou quem chega a descobri-la por si mesmo passa por uma mudança tremenda. Já não busca o sucesso, pouco lhe interessa o dinheiro, a fama, a gratidão. Seu prazer está então na felicidade que lhe proporciona o haver respondido a um chamado íntimo, profundo, ignoto, de sua própria Essência Interior.
O mais interessante de tudo isto é que o sentido vocacional nada tem a ver com o Eu, pois, ainda que pareça estranho, nossa própria vocação entedia o Eu, porque ao Eu somente agradam substanciais ganhos monetários, posição, fama, etc.
O sentido da vocação é algo que pertence a nossa própria Essência Interior; é algo muito de dentro, muito profundo, muito íntimo. O sentido vocacional leva o homem a empreender com verdadeiro valor e desinteresse verdadeiro as mais difíceis empresas à custa de todo tipo de sofrimentos e calvários.
É, portanto, apenas normal que a verdadeira vocação entedie o Eu. O sentido da vocação nos conduz de fato pela senda do Heroísmo Legítimo, ainda que tenhamos que suportar estoicamente todo tipo de infâmias, traições e calúnias.
O dia em que um homem puder dizer a verdade: “Eu sei quem sou e qual é minha verdadeira vocação”, desde este instante começará a viver com verdadeira retidão e amor. Um homem assim vive em sua obra e sua obra nele.
Realmente, são só muito poucos os homens que podem falar assim com verdadeira sinceridade de coração. Quem fala assim são os seletos, aqueles que têm em grau superlativo o sentido da vocação. Experimentar nossa verdadeira vocação é, fora de qualquer dúvida, o problema social mais grave, o problema que se encontra na própria base de todos os problemas da sociedade.
Encontrar ou descobrir nossa verdadeira vocação individual equivale de fato a descobrir um tesouro muito precioso. Quando um cidadão encontra com toda certeza e fora de toda dúvida seu verdadeiro e legítimo ofício, torna-se, só por este fato, insubstituível.
Quando nossa vocação corresponde totalmente e de forma absoluta ao posto que estamos ocupando na vida, exercemos então nosso trabalho como verdadeiros apóstolos, sem cobiça alguma e sem desejo de poder.
Então o trabalho, em vez de produzir-nos cobiça, aborrecimentos ou desejos de mudar de profissão, nos traz felicidade verdadeira, profunda, íntima, ainda que tenhamos que suportar pacientemente dolorosas “Via Crucis”.
Na prática verificamos que, quando o trabalho não corresponde à verdadeira vocação do indivíduo, então só pensa em função do “mais”. O mecanismo do Eu é o “mais” - mais dinheiro, mais fama, mais projetos, etc., etc., etc., e, como é apenas natural, o sujeito pode tornar-se hipócrita, explorador, cruel, sem piedade, intransigente, etc.
Se estudamos a burocracia detidamente, podemos comprovar que rara vez na vida o cargo corresponde à vocação individual.
Se estudamos de forma minuciosa os diversos setores do proletariado, podemos evidenciar que em muito raras ocasiões o ofício corresponde à vocação individual. Quando observamos as classes privilegiadas, sejam do Oriente ou do Ocidente, podemos evidenciar a total ausência do sentido vocacional.
Os chamados “meninos de bem” agora assaltam à mão armada, violentam mulheres indefesas, etc., para matar o tédio. Não tendo encontrado seu lugar na vida, andam desorientados e convertem-se em “rebeldes sem causa”, como que para variar um pouco.
É espantoso o estado caótico da humanidade nestes tempos de crise mundial. Ninguém está contente com seu trabalho, porque não corresponde à vocação; chovem solicitações de emprego, porque ninguém quer morrer de fome, mas as solicitações não correspondem à vocação daqueles que solicitam.
Muitos motoristas deveriam ser médicos ou engenheiros. Muitos advogados deveriam ser ministros, e muitos ministros deveriam ser alfaiates. Muitos engraxates deveriam ser ministros, e muitos ministros deveriam ser engraxates, etc., etc.
As pessoas estão em postos que não lhes correspondem, que nada têm que ver com sua verdadeira vocação individual. Devido a isto, a máquina social funciona pessimamente. Isto é semelhante a um motor que estivesse estruturado com peças que não lhe correspondem, e o resultado tem que ser inevitavelmente o desastre, o fracasso, o absurdo.
Na prática comprovamos até à saciedade que, quando alguém não tem disposição vocacional para ser guia, instrutor religioso, líder político ou diretor de alguma associação espiritualista, científica, literária, filantrópica, etc., então só pensa em função do “mais” e dedica-se a fazer projetos e mais projetos com secretos propósitos inconfessáveis.
É óbvio que, quando o trabalho não corresponde à vocação individual, o resultado é a exploração. Nestes tempos terrivelmente materialistas em que vivemos, o cargo de professor está sendo arbitrariamente ocupado por muitos mercadores, que nem remotamente têm vocação para o magistério.
O resultado de semelhante infâmia é a exploração, crueldade e falta de verdadeiro Amor. Muitos exercem o magistério exclusivamente com o propósito de conseguir dinheiro para pagar seus estudos na faculdade de Medicina, Direito ou Engenharia, ou simplesmente porque não encontram nada mais que fazer.
As vítimas de semelhante fraude intelectual são os alunos e alunas. O verdadeiro professor vocacional hoje em dia é muito difícil de ser encontrado, e é a maior felicidade que podem chegar a ter os alunos e alunas de escolas, colégios e universidades.
O indivíduo encontra sua vocação por uma destas três vias: primeira, o AUTO-DESCOBRIMENTO DE UMA CAPACIDADE ESPECIAL; segunda, A VISÃO DE UMA NECESSIDADE URGENTE; terceira, A MUITO RARA DIREÇÃO DOS PAIS E PROFESSORES, que descobriram a vocação do aluno ou aluna mediante a observação de suas aptidões.
Muitos indivíduos descobriram sua vocação em determinado momento crítico de sua vida, frente a uma situação séria que reclamava remédio imediato. Gandhi era um advogado qualquer quando, por motivo de um atentado contra os direitos dos indianos na África do Sul, cancelou sua passagem de regresso à Índia e ficou para defender a causa de seus compatriotas.
Uma necessidade momentânea encaminhou-o em direção à vocação de toda a sua vida. Os grandes benfeitores da humanidade encontraram sua vocação ante uma crise situacional que reclamava remédio imediato.
Recordemos Oliver Cromwell, o pai das liberdades inglesas; Benito Juarez, o forjador do novo México; José de San Martin e Simón Bolívar, pais da Independência sul-americana, etc., etc. Jesus, o Cristo, Buda, Maomé, Hermes, Zoroastro, Confúcio, Fu-Hi, etc., foram homens que, em determinado momento da história, souberam compreender sua verdadeira vocação e se sentiram chamados pela Voz Interior que emana do Íntimo.
Quando alguém está plenamente convencido do papel que tem que representar na vida, faz então de sua vocação um apostolado, uma religião, e converte-se de fato e por direito próprio em um apóstolo da humanidade.
UMA HISTÓRIA PARA SER CONTADA
No terreno da vida prática, podemos verificar conscientemente as desastrosas consequências que advêm da violação da Lei da Balança. O pródigo, o esbanjador, aquele que malgasta seu dinheiro, ainda que no fundo se sinta muito generoso, é indubitável que está violando a Lei.
O avarento, aquele que não faz circular o dinheiro, aquele que egoisticamente o retém de forma indevida além do normal, está evidentemente prejudicando a coletividade, retirando o pão de muitas pessoas, empobrecendo seus semelhantes; por tal motivo está violando a Lei do Equilíbrio, a Lei da Balança.
O esbanjador, ainda que aparentemente faça bem fazendo circular a moeda de forma intensiva, é lógico que produz desequilíbrio, não somente em si mesmo como também com o movimento geral de valores.
Isto ao longo do tempo ocasiona tremendos prejuízos econômicos aos povos. Pródigos e avarentos transformam-se em mendigos, e isto está comprovado. Sim, há Inferno. Sim, há Diabo. Sim, há Karma Viajando por todos estes países do mundo, aconteceu-me de morar por algum tempo na cidade do conquistador Gonzalo Jiménez de Quesada, ao pé das montanhas de Monserrate e Guadalupe.
Por aqueles tempos, já muito próximo da Segunda Guerra Mundial, apresentaram-me naquela cidade um amigo por certo muito singular. Chamava-se Sucre, e, também viajando, havia vindo em busca de conhecimentos universitários desde certo porto do Atlântico até o cume das montanhas andinas.
Com este amigo de outros tempos tudo foi muito curioso, até mesmo a insólita apresentação. Alguém cujo nome não menciono bateu uma noite na porta de minha casa, com o evidente propósito de convidar-me a uma conversa profunda com o mencionado amigo...
Não foi por certo muito bonito o lugar de reunião; um botequim “mal-encarado” com um pequeno salão. E, depois de todas as formalidades da apresentação, entramos no assunto da discussão. Era patente e manifesta a capacidade intelectual de meu novo amigo; sujeito teórico, especulativo, estudioso...
Dizia-se fundador de alguma Loja de tipo teosófico e citava com frequência Helena Petrovna Blavatsky, Leadbeater, Annie Besant, etc. No intercâmbio de ideias é indubitável que brilhou fazendo exposições pseudo-esotéricas e pseudo-ocultistas...
Se não fosse por sua afeição ao Hipnotismo e ao desejo exibicionista, aquela reunião de amigos teria terminado pacificamente, mas eis que “o diabo mete a cauda onde quer”.
Aconteceu que este amigo resolveu fazer demonstrações de seu poder hipnótico e, aproximando-se de um senhor de certa idade que estava por ali, sentado próximo a outra mesa, rogou-lhe muito cortesmente servir de sujeito passivo para seu experimento.
Tratando-se de questões relacionadas com a Hipnologia, não é demais enfatizar a ideia de que nem todos os sujeitos são susceptíveis de cair em transe. Sucre, com seu Eu exibicionista, é evidente que não queria ver-se em ridículo, necessitava demonstrar seu grande poder, e por isso fez esforços sobre-humanos para submergir o cavalheiro em sono hipnótico.
Mas foi tudo inútil; enquanto Sucre lutava e até sofria, aquele bom cavalheiro, em seu interior, pensava o pior. E de repente, como se tivesse caído um raio em uma noite tenebrosa, aconteceu o que tinha que acontecer; o cavalheiro passivo saltou de seu lugar acusando Sucre, chamando-o de ladrão, vigarista, bandido, etc., etc.
Mas nosso mencionado amigo, que também não era uma mansa ovelha, trovejou e relampagueou. E voaram mesas pelo ar, e cadeiras e copos e pratos, e o dono do negócio clamava em meio àquele grande estrago pedindo que lhe pagassem a conta. Felizmente, a polícia interveio e tudo ficou tranquilo; o pobre Sucre teve de empenhar sua bagagem para pagar a dívida...
Passado aquele descalabro tão desagradável, marcamos nova entrevista com o mencionado amigo, a qual, é óbvio, foi mais tranquila, pois não passou pela cabeça de Sucre a ideia absurda de repetir seu experimento Então aclaramos muitas ideias e conceitos de fundo esotérico e ocultista. Aquele amigo ingressou mais tarde na Universidade com o propósito de tornar-se um bom advogado, e é evidente que era um magnífico estudante.
Um dia qualquer, depois de muitos anos, o mencionado amigo convidou-me para comer, e como sobremesa houve uma conversação sobre tesouros escondidos; então ocorreu-me lhe narrar o seguinte caso: “Eu dormia em meu quarto – disse-lhe – quando fui subitamente despertado por um estranho ruído subterrâneo que corria ou circulava misteriosamente do noroeste a sudoeste.
Sentei-me, um pouco sobressaltado por tão inusitado som, para ver de minha cama o que estava acontecendo. Então, com grande surpresa, vi que em um canto do meu quarto a terra se abria.
E surgiu como por encanto o fantasma de uma mulher desconhecida, que com voz muito delicada disse-me: “faz muitos anos que estou morta; aqui neste lugar eu enterrei um grande tesouro; retira-o tu, é para ti”.
Sucre, ao escutar meu relato de sobremesa, pediu-me veementemente para levá-lo ao lugar dos fatos, e é claro que eu não poderia negar-lhe este favor... Outra tarde, veio dizer-me que havia entrado em contato com o dono dessa casa – um médico muito famoso da cidade – e suplicou-me investigar se tal personagem era ou não realmente o dono de dita propriedade, pois tinha suas dúvidas.
Confesso plenamente e com a mais inteira franqueza que não foi difícil para mim realizar o desdobramento astral; simplesmente aproveitei o estado de transição entre vigília e sono. Nos instantes de começar a dormitar, levantei-me delicadamente de minha cama e saí à rua.
É óbvio que o corpo físico ficou adormecido na cama. Assim realizou-se o desdobramento do Eidolon com pleno êxito; ainda recordo fielmente aquele notável experimento psíquico. Voando, flutuando no ambiente astral do planeta Terra, andei por várias ruas procurando o consultório médico do Doutor...
Roguei a meu intercessor Elemental levar-me àquele escritório, e é evidente que fui ajudado... Ao chegar a certa casa entendi; três degraus conduziam ao portal suntuoso de uma mansão...
Entrei por aquelas portas e encontrei-me em uma sala de espera; avancei um pouco mais e penetrei resolutamente no consultório... Examinei em detalhe o interior deste; vi uma mesa e sobre ela uma máquina de escrever e algumas outras coisas; uma janela permitia ver um pátio da residência; o Doutor estava sentado e em sua aura pude ver a mencionada propriedade...
Regressei a meu corpo físico muito satisfeito com o experimento; o Eidolon certamente é extraordinário... Cedo pela manhã veio meu amigo para conhecer o resultado de meu experimento psíquico. Contei-lhe detalhadamente tudo o que havia visto e ouvido; então vi assombro no rosto de Sucre; ele conhecia tal consultório e os dados que lhe dava eram exatos...
O que sucedeu depois é fácil adivinhar; Sucre não só conseguiu que aquele médico lhe alugasse a casa, como também, e isto é o mais curioso, o fez seu sócio... Por aqueles dias resolvi distanciar-me daquela cidade, apesar dos pedidos daquele amigo, que insistia em que eu cancelasse minha viagem...
Quando regressei mais tarde, depois de alguns anos, àquele lugar, tudo já havia mudado, aquela casa havia desaparecido... Então encontrei-me em um terreno árido, horrível, pedregoso, espantosamente aborrecedor... E vi instalações de alta tensão elétrica, motores de dupla bomba, máquinas de toda espécie, trabalhadores bem pagos, etc., etc., etc. Sucre, vivendo ali mesmo dentro de um quarto que mais parecia uma trincheira em um campo de batalha, entrava, saía, dava ordens imperativas aos trabalhadores, etc., etc., etc.
Aquele quarto estava protegido com gigantescas rochas, e em seus muros viam-se muitas janelinhas pequenas que podiam abrir-se ou fechar-se à vontade. Por aqueles postigos Sucre vigiava o que se passava ao seu redor. Dizia que tais janelinhas lhe eram muito úteis...
De vez em quando, ao menor ruído exterior, empunhava sua pistola ou seu fuzil e então via-se de fora abrirem-se ou fecharem-se aquelas aberturas, assomando através delas as bocas de fuzis ou pistolas...
Assim estavam as coisas quando voltei; então meu amigo explicou-me que aquele tesouro era muito cobiçado; que se tratava do famoso bezerro de ouro que tanto havia inquietado muitas pessoas do lugar e que, portanto, estava rodeado de inimigos mortais e cobiçosos que haviam tentado assassiná-lo. “Valham-me Deus e Santa Maria! disse a mim mesmo... Em má hora fui contar a este amigo esta visão do tesouro... Melhor teria sido haver ficado calado” ...
Outro dia, cheio de otimismo, confessou-me que a doze metros de profundidade havia encontrado um boneco de barro cozido, e que dentro da cabeça oca do mequetrefe encontrara um pergaminho no qual estava traçado o mapa completo do tesouro.
No laboratório do Doutor, foi retirado cuidadosamente tal pergaminho de dentro da cabeça do fantoche, pois com o tempo e a umidade havia se colado demasiado... De acordo com o mapa, existiam, a doze metros de profundidade, quatro depósitos, situados um a leste, outro a oeste, um terceiro ao norte e o último em direção ao sul.
O mapa dava indicações e dados precisos, e ao final tinha uma frase firmada com iniciais de nome e sobrenome. “Quem encontre meu tesouro que enterrei em poços profundos será perseguido pela Igreja do Patrono, e antes de vinte dias que não saibam que retirou os lucros que enterrei para mim”.
Por estes dias a Segunda Guerra Mundial já estava muito avançada; Hitler havia invadido muitos países europeus e preparava-se para atacar a Rússia... Meu amigo era cem por cento germanófilo, e acreditava muito seriamente no triunfo de Hitler...
É claro pois que, influenciado pelas táticas políticas de Hitler, que um dia firmava um tratado de paz com qualquer país e no outro dia o atacava, não quis trabalhar de acordo com as indicações do mapa... Sucre disse a si mesmo: “Tais indicações são para despistar” ...
“O tesouro está muitos metros abaixo do boneco; os citados quatro depósitos não me interessam...” Assim, abandonou as indicações e aprofundou-se; quando assomei àquele buraco, só vi um precipício, negro, profundo, espantoso... “Amigo Sucre – disse-lhe – você cometeu um erro muito grave: deixou o tesouro em cima, nos quatro depósitos, e aprofundou-se; ninguém enterra um tesouro a tanta profundidade” ...
É claro que tais palavras pronunciadas por mim levavam a fragrância da sinceridade e o perfume da cortesia... Entretanto, devemos falar sem rodeios para evidenciar o Eu da cobiça. Inquestionavelmente este destacava-se exorbitantemente em meu amigo, combinando-se com a astúcia, a desconfiança e a violência.
De maneira nenhuma foi insólito para mim que Sucre então trovejasse e relampagueasse, vociferando e até impingindo-me coisas nas quais jamais havia pensado. Pobre Sucre! ... Ameaçou-me de morte, acreditou por um instante que eu, ao que dizia, estava muito de acordo com seus mencionados inimigos, talvez com o propósito de roubar-lhe o tesouro...
Depois de tudo, e vendo minha espantosa serenidade, convidou-me a seu refúgio de trincheira para tomar café...
Antes de afastar-me definitivamente daquela cidade hispânica conhecida em outros tempos como Nova Granada, aquele amigo me fez outro pedido; suplicou-me de todo coração que estudasse com o Eidolon seu trabalho subterrâneo. Eu também queria fazer uma exploração astral naquela profundidade, e por isso acedi a seu pedido...
E aconteceu que em uma noite maravilhosa de plenilúnio me deitei tranquilo em decúbito dorsal (boca para cima) e com o corpo bem relaxado... Sem preocupação alguma me propus vigiar, espiar, meu próprio sono...
Queria utilizar para minha saída astral aquele estado de transição existente entre a vigília e o sono... Quando começou o processo de sonolência, quando começaram a surgir as imagens próprias do sonho, delicadamente, como sentindo-me espirito, fiz um esforço para eliminar a preguiça e então me levantei da cama...
Saí de meu quarto como se fosse um fantasma, caminhando delicadamente, e logo abandonei a casa... Flutuava deliciosamente pelas ruas da cidade, cheio de uma maravilhosa voluptuosidade espiritual... Não me foi difícil orientar-me; logo estava no lugar dos acontecimentos, no terreno dos fatos...
Ante aquele buraco negro e horrível que já tinha mais de setenta metros de profundidade, um velhinho anão, um pigmeu, um gnomo de respeitável barba branca me contemplou inocente... Flutuando na atmosfera, desci suavemente até o fundo aquoso da nefasta cova de cobiças...
Tocando com meus pés siderais o limo da terra úmida e sombria, fiz com agrado um esforço mais e penetrei no interior desta sob o próprio fundo do poço... Quão suavemente descia com o Eidolon sob o fundo negro de tal antro, do qual manara muita água!
Examinando detalhadamente cada rocha de granito submersa sob as águas caóticas, me adentrei muito profundamente sob aquele subsolo... É evidente que meu amigo de outrora havia deixado o fabuloso tesouro lá em cima, como já havíamos dito em parágrafos anteriores... Agora, e nestas regiões abismais, só via diante de minha insignificante pessoa pedras, lodo, água...
Mas, de repente, algo inusitado acontece; estou diante de um canal horizontal que, saindo daquele terreno, se dirige à rua... Que surpresa! Sucre nada havia me falado disto, nunca me disse que em semelhantes profundidades pensara fazer uma perfuração horizontal...
Serenamente, deslizei com o Eidolon pelo referido canal inundado pelas águas, avancei um pouco mais e logo saí à superfície pelo lado da rua... Concluída a exploração astral, regressei a meu corpo físico; a investigação, obviamente, foi maravilhosa...
Mais tarde, quando comuniquei tudo isto a meu amigo, o vi muito triste; este homem sofria o indizível, queria ouro, esmeraldas, riquezas, a cobiça o estava tragando vivo... Mas se justificava dizendo que necessitava todo este tesouro para fazer uma revolução proletária, que necessitava investir esse dinheiro em armamentos, etc. Quão horrível é a cobiça!...
Em tal lugar só reinava o medo, a desconfiança, o revólver, o fuzil, a espionagem, a astúcia, os pensamentos de assassinato, as ânsias de mandar, imperar, subir ao topo da escada, fazer-se sentir, etc...
Quando saí daquela cidade tomei a resolução de jamais voltar a intervir nesses motivos da cobiça...
“Vendei o que possuís, disse o Cristo, e dai esmola; acumulai bens que não envelheçam, tesouro nos Céus que não se esgote, onde ladrão não chega nem a traça destrói. Porque onde está vosso tesouro, ali estará também o vosso coração”.